quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pessoas Vulgares

"Há pessoas de quem é difícil dizer alguma coisa que as apresente definitivamente e na íntegra, no seu aspecto mais típico e característico; são as pessoas comummente chamadas «normais», ou a «maioria», e que constituem, de facto, a enorme maioria de qualquer sociedade. Os escritores, nos seus romances e contos, tentaram na maior parte dos casos recorrer aos tipos sociais e apresentá-los em imagens e moldes característicos – tipos esses que na realidade raramente se encontram no seu estado puro, mas que, apesar disso, quase parecem mais reais do que a própria realidade. (...)

Mesmo assim, ainda continua erguida diante de nós a questão: o que deve o romancista fazer com a gente vulgar, com as pessoas perfeitamente «normais», e como pode apresentá-las ao leitor de maneira a que tais pessoas se tornem, pelo menos, um pouquinho interessantes? Passar-lhes ao lado, na narração, é de todo impossível, porque as pessoas vulgares são, a cada momento e na maioria dos casos, um elo necessário na cadeia dos acontecimentos quotidianos; portanto, ao contorná-las, estaríamos a violar a verosimilhança. Preencher os romances apenas com figuras típicas ou até, em prol do factor interesse, simplesmente com pessoas esquisitas e fantásticas, seria inverosímil e, talvez, nada interessante. A nosso ver, o escritor deve tentar encontrar traços interessantes e didácticos mesmo entre a gente vulgar. Ora, quando a própria essência de algumas personagens vulgares consiste precisamente na sua vulgaridade permanente e imutável, ou, o que já é melhor, quando, apesar dos extraordinários esforços destas personagens no sentido de saírem a todo o custo da linha da vulgaridade e rotina, acabam por ficar imutável e permanentemente na mesma rotina, então estas personagens ganham, no seu género, uma certa tipificação – a tipificação da vulgaridade que de modo nenhum aceita ficar tal como é e, custe o que custar, deseja tornar-se original e independente, sem, no entanto, possuir os meios mínimos necessários para a independência."

Excerto d'O Idiota encurtado por falta de paciência e tempo para passar a computador

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